Nascido em 21-07-1977, Félix, mais conhecido como Coban, teve uma infância não muito diferente dos que habitam nas favelas espalhadas pelo Brasil, uma infância repleta de adversidades, descaso e falta de perspectivas. Félix era um garoto introvertido que desde cedo nomeou os livros como seus melhores amigos e provavelmente daí veio o gosto pela poesia que logo se desenvolveu para os versos ritmados do Rap. Félix foi nascido e criado em Catiapoã, bairro de São Vicente, em São Paulo. Negro, jovem e criativo, as ideias fervilhavam em sua cabeça, em uma selva predatória e repleta de ilusões, Coban queria marcar seu nome na história... Dinheiro, poder e ilusão acabaram em sua adolescência o levando ao caminho dos delitos criminais, tendo em sua especialidade o tráfico de armas e o assalto a bancos, daí o pseudônimo artístico Coban (que é uma forma retorcida de se referir a banco, mudando e invertendo a grafia da palavra). Coban tinha uma vida saudável, não usava drogas, não fumava e não bebia, porém um vício pela adrenalina o destruía, a adrenalina de assaltar bancos, sabendo que aquela poderia ser a última vez que saía de casa, adrenalina da reação das pessoas do outro lado da pistola. Isso ele descreve muito bem em uma de suas canções intitulada “A viagem é longa” onde ele diz: “Em meio a violência, aquela experiência de ver pessoas aterrorizadas/ do outro lado da minha quadrada/ Quando eu sacava na fita exigia dinheiro dos caixas, do cofre/ ameaçava de morte/ quem não fica tenso se vendo na mira de um assaltante? Quem não fica tenso vendo a morte por alguns instantes...”. Félix teve muitas visões em sua vida, uma delas, que o levou a reconsiderar sua opção pelo crime pela primeira vez, veio da pior maneira possível. Durante um assalto a banco em São Paulo, foi baleado por um vigilante, levado para o Mandaqui, foi descoberto paraplégico. Dali em diante, seguiria sua vida em uma cadeira de rodas. Fato que passou a ser relatado de forma frequente em suas letras como podemos analisar em várias delas: em “Falha no crime” ele relata a agonia de estar no hospital e em dúvida qual seria o seu final entre cadeia, caixão ou a cadeira de rodas, “Mais uma vez eu estou chegando na emergência do hospital/ tá cheio não tem vagas, minha ideia é vaga/ de um monte de polícia a minha volta(...)tô atacado, tô baleado, ainda tem um polícia cuzão falando que vai me matar, se ele soubesse o favor que iria me fazer, naquele momento entre viver ou morrer significa o mesmo...qual será a minha cara? Qual vai ser a minha cara? No quarto com escolta? Cadeia até umas hora? Do resto da minha vida numa cadeira de rodas!”. Na música “Não deixem eles me levar”, Coban narra o desespero e a ciência de que a polícia em vários casos não protege o detento e o acaba matando como foi o caso do sequestrador do ônibus que acabou resultando na morte de uma professora onde acabou morrendo asfixiado por policiais dentro da viatura, assim também narra a importância da proteção materna quando diz: “Mãe meu pensamento é inútil agora/ Mãe, eu dava tudo pra ter a meu lado a senhora” Em “Falha no crime” Coban mostra novamente a preocupação com a mãe e a forma quase que cinematográfica na qual a família descobre que após um assalto mau sucedido ele estava baleado, na letra fala: “Eu em um hospital como indigente, eu dei nome e endereço frio/ Como será que minha família está? Como será que vão me achar? Eu nem imagino. Souberam por alto que o negócio foi feio que alguma coisa havia acontecido, queriam detalhes pra saber a real!/ Corre na banca, compra um jornal/ Quando meu irmão viu aquilo na manchete vinha dizendo que eu havia-me fodido/ Subiu a neurose, se minha mãe visse a matéria ela entrava em choque/ Eu estava ali numa foto inconfundível e clara/ eu deitado na maca/ com dreno, com sonda, com soro/ coisa de louco! Tava embaçada, paralisada da cintura pra baixo...”. Se formos analisar a obra de Coban sem conhecê-lo pessoalmente, já que as fontes de sua história na Internet e em revistas especializadas são muito escassas, haveria uma contradição em entender o motivo de sua paraplegia, se seria o atropelamento que é citado na música “Não deixem eles me levar” ou foi em decorrência de disparos efetuados por policiais no assalto mau sucedido e fica claro que a segunda opção é a correta, onde podemos confirmar nos versos de’ “Falha no crime” onde ele diz: “Me abandonou na fita baleado com a certeza que eu já era finado, eu vi a minha casa cair, ser derrubada tomei uns tiros de oitão”, se referindo aos comparsas que o abandonaram ao ver ele baleado e analisando mais profundamente em “Não deixem eles me levar”, temos: “Sangrando no chão e baleado, minha visão está escurecendo, estou vendo tudo distorcendo, eu ouço pouco, caralho eu vou morrer só com 18 igual um porco, na minha mente eu já me vejo morto” e na música “O resultado que eu obtive” encontramos “Marcas de furo a bala, as pernas paralisadas (...)E como resultado obtive um tiro na espinha”. Em momentos de reflexão após tamanha desgraça na vida de uma pessoa tão jovem, Coban destila versos melancólicos e analíticos que mostram um olhar para dentro de si e uma reflexão se os resultados obtidos no crime compensaram, em “Falha no crime”, Coban cita: “Essa vida é foda, dá várias voltas, a cadeira de roda é um tempo que eu tenho pra refletir, parar de agir/ pensar um pouco/ já tive carro, moto e um dinheiro, hoje eu não tenho um real no bolso!” Com apenas 21 anos de idade Coban se mostrava confuso, uma explosão de sentimentos como diz em “A viagem é longa”: “21 anos de idade, minha maturidade veio através do meu suor, do meu sofrimento e assim fui amadurecendo antes do tempo, talvez seja por isso que eu me olho no espelho e não me reconheço/ Eu não sou mais aquele moleque/ que se espelha em clipe americano do 2pac, sem entender a real da ideia, aqui a droga é o que mata, ampliando o quadro da miséria!” Já paraplégico Coban inicia um mergulho dentro de si e novamente refere-se a vários elementos que obteve no crime (na sua maioria negativos) em “O resultado que obtive” ele diz que teve “incalculáveis prejuízos” e que “psicofisicamente desconheço a paz!”. Na música “Somente Deus como testemunha”, em que contribuiu no disco “Das trevas para a luz” do rapper brasiliense GOG juntamente com Nego Dé (Dos grupos Máfia, A Entidade, Falso Sistema, etc), Coban fez um enigmático verso que novamente revelava a obsessão por temas que envolviam sua condição de paraplégico, no verso Coban diz: “A solidão invade o seu corpo, esvaindo em sangue, nem ao menos socorro, seus últimos segundos de vida, lentamente uma paralisia toma conta de si, não era isso que sonhava no fim...”, o verso misterioso parecia ser uma premonição de sua própria morte, porém Coban se utiliza da terceira pessoa do singular e não na primeira pessoa e aparenta ser a própria alma dizendo para seu corpo, por falta de fontes acaba que o verso fica nebuloso e obscuro. Após sua paraplegia Coban havia mudado e se auto questiona nos versos da música “A viagem é longa” onde temos as reflexivas rimas: “Vê que barato cabuloso...o que tá acontecendo comigo? Parece até que eu sou outro! Eu me olho no espelho e não me reconheço, o que tá acontecendo comigo? Cadê o cara bandido de antigamente?” Este tempo na cadeira de rodas estava sendo importante para Coban repensar sua vida e seus caminhos e lutava contra a depressão de se ver preso em uma cadeira de rodas como podemos ver nas rimas de “O resultado que obtive” onde Coban tinha consciência dos caminhos do crime, assolado entre a cadeia e o caixão, mas nunca se imaginava em uma cadeira de rodas, como se pode observar nesse verso: “Consigo admitir que nunca esperava esse fim, eu tava certo de cadeia ou cemitério, mas nunca uma cadeira de roda”, Coban pensava em suicídio, mas mostra consciência, esperança de melhora com o tratamento e superação onde nesta mesma música diz: “A vida nova me faz pensar em suicídio, desistir de tudo isso, Fisioterapia, os primeiros dias foram foda! Superar o ódio, atravessar o preconceito e de cadeira sair no rolê, fazer e acontecer! Ter consciência que a vida continua, não muda, não faça a si mesmo a pergunta... Porque logo comigo veio acontecer, se deprimir não vale a pena com isso assina a sentença, se auto condena...” Abandonada a vida de assaltante, a vida de traficante de armas prosseguiu; a consciência de que deveria abandonar o crime por completo o perseguia, muito embora, ainda houvesse mais uma negociação de armas, com uma quadrilha de São Vicente. A última atividade criminosa de sua vida. Ironicamente, a última atividade de sua vida. Confundido com um traficante de drogas rival, que disputava pontos de tráfico na região, morreu antes que pudesse completar sua conscientização, que demonstrava estar sendo refletida e alimentada a cada dia. Como podemos ver na letra de “A viagem é longa”, onde temos as rimas relatando uma viagem que mais parecia de uma vida para outra do que um caminho a percorrer na vida para mudanças, Coban fala: “Dentro de mim explode uma guerra/ é a consciência que pesa e pede tempo (....)aquele cara bandido acho que tá morrendo...não tô entendendo mais nada, acho que é minha cara, sossegar antes que eu tome um montão sem me dar conta, a minha viagem é longa!” Coban parecia não ter achado seu lugar no mundo, necessitava deixar sua marca, sua mensagem e suas experiências, que nunca podem ser confundidas com apologia ao mundo do crime e sim um alerta como fica claro na primeira música do disco chamada “Ideia forte” onde Coban conversa com o ouvinte e dá um recado as crianças e aos que se iludem com o crime: “Aí molecada que tá crescendo agora! O crime não é vida pra ninguém, morô? Eu falo é por experiência...me acordaram!”. O rapper parecia já se sentir semimorto no mundo e como um chamado para uma missão, parece ter acordado de que havia pouco tempo para cumprir essa missão, que era relatar em versos rimados uma vida turbulenta e sem perspectivas e ser um anjo bandido que espalharia sua mensagem, seu alerta para uma geração que está crescendo sendo “educada” pelo gangsta onde muitas vezes coloca confetes vermelhos no crime e esquece que há um rio vermelho de sangue na vida dos que correm atrás do dinheiro maldito de forma desonesta e vemos nitidamente essa reflexão de ainda não ter deixado sua marca, no som “A viagem é longa”, onde diz: “Eu tento imaginar o que eu fui até agora/ se eu morresse minha história seria um falecido era foda! E nada mais! E que descanse em paz! Já vi mto disso, e talvez não falassem nem isso! Que barato esquisito, já tô vindo uma cara pensando nisso, eu só me vejo sei lá tomando um monte de tiro, falando assim me dá até um bagulho, fico pensando em tudo que eu já fiz, chego a duvidar se um dia vou ser feliz, qualquer que seja o futuro eu seguro a minha onda, minha viagem é longa!" Mais uma vez vemos suas premonições mórbidas e a necessidade de mudar esse quadro. Em “Deficientemente a caminhada continua”, Coban trata suas mensagens como um convite que se ouvido e interpretado pode ser uma redenção para bandidos e conscientização para os não ingressos na vida bandida, ele rima: “A ideia é forte, vai te livrar da morte, é o passaporte pro bem, uma chance em cem”, talvez essa “autoconsciência” de tratar a ideia como “uma chance em cem” se dever a estar ciente de que infelizmente no rap nacional a maioria dos adeptos se tornam “escutadores” não ouvintes das mensagens que são pregadas nas letras. Na música “A viagem é longa” Coban parecia relatar sua própria morte, notamos isso por se tratar de uma pessoa que se tornara indefesa por estar na cadeira de rodas e Coban diz: “Eu tô errado vai... detona-me! A minha viagem é longa!”, como se houvesse desistido de afirmar que estava sendo morto por engano, e dissesse essas derradeiras palavras... No dia 09 de Junho de 1999 morria Coban, deixando para o rap nacional um legado breve, mas consistente e verdadeiro, uma história que ficou praticamente á margem, mas que aos poucos é resgatada por seus fãs e admiradores que conseguem ver em Coban mais do que um poeta bandido que rima o crime, mas um ser humano que realmente foi bandido e em seus versos mostrou as profundezas do inferno, vivendo nele e alertando os que estão de fora da vida bandida que ali não é local para qualquer um e sim para os que são empurrados pelas circunstâncias injusta do país. Tombaram o seu corpo, mas não sua mensagem, sua alma e sua ideologia. O tempo foi cruel em ter permitido o lançamento de apenas uma obra, mas Coban se tornou um artista foda dentro do rap, onde um público seleto teve a oportunidade de conhecer seu álbum e entender sua mensagem. O disco mostra que muitas vezes temos que passar por caminhos tortuosos para valorizarmos atos, gestos, pessoas, situações que passam despercebidas no nosso individualista dia-a-dia, mas Coban encontrou esse caminho e provavelmente hoje descansa em paz, nos espaços celestes deste Universo, pois acima de um bandido havia asas de anjos que foi incompreendido por um mundo podre que oferece descaso e injustiça aos do gueto, mas esteja onde estiver, esteja em paz Coban! Texto gentilmente cedido por José Maria t.c.c Gooxe (Poetaz Loucoz) e fragmentos retirados da obra “Deficientemente a caminhada continua” de Coban e fragmentos de textos inativos na Internet fatos confirmados também pelo poeta do Rap GOG.
O Félix ficou na cadeira de rodas após ser baleado no assalto a banco, antes, ele estava de moto aguardando a abertura do sinal e uma viatura o atropelou propositadamente. Ele só tinha marcas desse episódio. Gangsta Real! Um ser humano incrível que viveu de tudo nos seus poucos anos de vida, até hoje sinto muita saudade dele todas as letras são reais - Palavras de GOG
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